Nunca soube cozinhar. Ou melhor, nunca tentei. Até passar um tempo fora. Foi em Bali que comecei a me aventurar na cozinha, em alquimias super distintas umas das outras. Um dia era couve flor, brócolis, coentro, passas e castanhas de caju na wok. No dia seguinte, brócolis, ervilha torta, salsinha, tofu e passas, também na wok. E, em dias especiais, ervilha torta, batata, couve flor, brócolis, salsinha, coentro, passas, castanhas de caju na…. wok. O molho variava. Óleo de coco e limão. Shoyu e limão. E, em dias especiais… adivinhou: óleo de coco, limão e shoyu. Era sempre uma delicia e eu surpreendentemente, nunca enjoei.
Quando cheguei, há 3 meses, senti era hora de aprender com minha mãe algumas receitas novas. Sozinha, comecei a testar algumas saladas, sucos e sobremesas com base na alimentação viva. Até que estava m dando certo. Errei feio poucas vezes. Até livro de receitas vegetarianas comprei. A ida a feira começou a fazer parte da rotina semanal. Estava me achando.
Hoje fiquei com desejo de sopa de abóbora com gengibre. Aproveitando o meio quilo de abóbora que estava na geladeira, busquei uma receitinha básica na internet (se você cozinha, não me recrimine. Sei que sopa é mole de fazer, mas sou novata, vai…). Comecei a picação. (Será que já inventaram um utensílio específico pra cortar abóbora? Eita coisa difícil! A palma da minha mão ficou toda marcada.)
Mas enfim… Não sou boa de decorar receitas, então deixei o computador ali de um lado da bancada da pia e fui preparando tudo no outro lado. Abóbora, cebola, alho e gengibre devidamente cozinhando na panela com 1 litro d`água. Enquanto isso, grelho alguns pedacinhos de tofu pra salpicar em cima da sopa – invenção minha – e fatio bananas quase pretas pra congelar e fazer sorvete vegano amanhã.
Quando a abóbora está pronta, despejo tudo no liquidificador. Como eu decidi fazer 6 porções – na esperança de ficar deliciosa e comê-la pelo resto da semana – , era muita coisa pro liquidificador, mas deu no limite. Coloquei a tampa me certificando que estava fechadinha e liguei.
Splash(zinho) na bancada, ao lado do computador.
Não coloquei a mão em cima da tampa e a pressão do líquido acabou fazendo um pequeno estrago. Nada demais. O computador saiu ileso dessa.
Achei que a sopa já estava suficientemente desencaroçada e levei a mistura pra panela de novo, pra adicionar azeite e sal – caldo de legumes industrializado estava na receita orginal, mas não entraria na minha super hiper mega saudável receita.
Mas… ainda estava super hiper mega encaroçado. E ralo. Achei que se colocasse no fogo alto a coisa melhoraria de figura. Não os caroços, não sou tão leiga assim, mas a consistência. Até melhorou, mas as bolotas de abóbora e cebola ainda estavam lá naquela mistura borbulhante.
Resolvi passar tudo pro liquidificador de novo. Dessa vez colocando a mão em cima da tampa. BURRA! A pressão do liquido ainda estava lá e minha força displicente não deu conta do recado.
Splash(zão).
Paredes, facas, liquidificador, geladeira, bancada, pia, chão, casaco, blusa, calça, cabelo, computador e pele cobertos por um líquido encaroçadamente laranja. E fervente. Rindo em desespero vendo a cozinha toda laranja e pingando, comecei a limpar tudo menos eu mesma até que… Pu** que pariu!!!! Meu braço! Que dor!!!! Putz! Boto a pele debaixo da pia e, quando a pseudo sopa ai pelo ralo, uma vermelhidão intensa se mostra presente no meu pulso esquerdo.
Me queimei.
Estupidamente.
Muito estupidamente.
Mas fazer o quê? Com o braço limpo e dolorido, continuei cozinhando. Tentando engrossar a porcaria da sopa. Ai, meu braço. Enquanto esperava melhora na situação sopal, continuava limpando a cozinha. Chão, bancada, facas, computador. Que droga! Logo hoje que a diarista veio e deixou tudo tinindo…. Ai, meu braço.
Liguei pra minha irmã pra ver o que fazia com a queimadura, já que meus pais estão viajando. Ela não estava em casa e meu cunhado me ajudou. Me deu o telefone da sua irmã, que é médica e me disse, entre outras coisas, pra eu tomar uma novalgina e continuar molhando o braço em água corrente de temperatura ambiente. Ai, meu braço. Novalgina não era uma opção naquele momento. Eu, na minha busca natureba, achei que tomar remédio era desnecessário. Ai, meu braço. Mas a água corrente foi necessária. Dane-se economia de recursos naturais. Toma água. Ai, meu braço.
Depois de tudo semi limpo na cozinha e do meu braço semi sem dor, me parecia que a textura da sopa estava no ponto. Ai, meu braço. Enfim, comi sopa de abóbora rala com pedaços de cebola, sem gosto de nada. Ou melhor, com gosto de tofu grelhado, que foi a melhor parte do prato. E viva a improvisação. Ai, meu braço.
Depois de comer, comecei a escrever. Ai, meu braço. Ai, meu braço. A cada 2 frases levantava pra colocar o Ai, meu braço na água corrente. Percebi que era hora de sucumbir á droga. Ai, meu braço. Corri pro banheiro pra buscar uma Ai, meu braço novalgina. Coloquei na boca e aquele troço não queria descer. Gole d`água Ai, meu braço vai, gole d`água Ai, meu braço vem, finalmente me reacostumo a tomar um comprimido depois de sabe-se lá quantos anos Ai, meu braço. Continuo escrevendo e molhando o Ai, meu braço a cada 2 minutos. A dor vem da boca do estômago, confundindo meus pensamentos. (inclusive, se esse texto estiver desconjuntando, é culpa do Ai, meu braço).
Agora, uns 20 minutos depois que coloquei a pílula pra dentro, a dor começa a dar sinais de diminuição. É, tem vezes – poucas vezes – que um caldo de legumes instantâneo, dar adeus á economia de recursos naturais e tomar uma droguinha se fazem necessários.